O ponto de partida da apologética de Pascal (ou seu cogito) é a constatação da dualidade da natureza humana: o homem é um amontoado de misérias e de grandezas. Um rei sem trono, mas sempre um rei. Um caniço, mas um caniço pensante. O homem é um complexo de bem e de mal, digno ao mesmo tempo de respeito e de desprezo. (14) Ao dualismo cartesiano de pensamento e extensão, Pascal opõe o dualismo de grandeza e miséria. À dúvida metódica de Descartes opõe uma desconfiança total na razão, no tocante à salvação eterna, que "não se encontra fora das vias ensinadas no Evangelho. (...) Que não se conserva senão pelas vias ensinadas no Evangelho. (...) Submissão completa a Jesus Cristo (...)." (Mondin, 1981). (15)
A razão pode, sem dúvida, tomar conhecimento da dualidade que dilacera a vida humana até em suas manifestações mais íntimas, mas não pode fazer nada para superá-la. Somente a fé cristã pode explicar ao homem a origem desta ruptura e dar-lhe a graça de saná-la (16). Com isso Pascal não quer afirmar que a razão não tenha nenhum valor. Ele não ensina o fideísmo, como se vê claramente pelo uso freqüente que faz de argumentos racionais para defender o cristianismo. Ele prova, por exemplo, a verdade do cristianismo mostrando que o dogma do pecado original é a única explicação suficiente para todos os males que afligem a humanidade. Prova, em outro lugar, a existência de Deus, aplicando a ela o cálculo das probabilidades.(17) O argumento, em resumo, soa assim: "ninguém pode evitar o dilema: ou Deus existe ou não existe. É um problema que diz respeito à vida, não um problema puramente especulativo, uma vez que é necessário agir ou como se Deus existisse ou como se não existisse. (18) A neutralidade é impossível: É necessário apostar; não está em nosso arbítrio; somos obrigados; que alternativa escolhemos?" (Pascal, 1966).
Consideremos o dilema como um jogo no qual sairá cara ou coroa. "Em qual apostaremos?" Segundo a razão, não se pode apostar nem em uma nem em outra porque, segundo a razão, nenhuma das alternativas pode ser excluída. Apostaremos na que corresponde melhor aos nossos interesses. "Admitamos que Deus exista. Que coisa nos arriscaremos a perder se viveremos como se Deus existisse? Os prazeres e os bens do mundo, isto é, bens finitos. Que coisa ganharemos? Um bem infinito." Então, se ganharmos, ganharemos tudo, e se perdermos, não perderemos nada. (19) Só nos resta, pois, apostar sem hesitação que Deus existe. Mesmo que se admitissem infinitas possibilidades negativas contra uma só favorável, ainda seria melhor apostar na existência de Deus, porque se tem pela frente uma eternidade de vida e de felicidade. Mas, na realidade, as probabilidades são finitas e o que se arrisca é finito em face de uma infinidade de vida infinitamente feliz. (20) "Isto encerra o jogo: quando se trata do infinito e quando não existe infinidade de probabilidades de perda contra as de ganho, não há igualdade: convém dar todos os bens deste mundo pela vida eterna." (Mondin, 1981).
Deste argumento e do tom geral da filosofia de Pascal segue-se que, mais do que opor a razão ao coração, ele quer integrar a razão com o coração; mais do que negar valor à demonstração, ele deseja completar a demonstração dialética com a dedutiva.
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